José Claudio Pereira
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Eonara do Carmo Cesa Paim
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Juros para crescer
Para Meirelles, a inflação é que põe em risco o investimento na economia, não a Selic corretiva
Para Meirelles, a inflação é que põe em risco o investimento na economia, não a Selic corretiva
A política monetária é a engrenagem relevante em qualquer sistema econômico. Mas há uma sutileza. Onde ela é a atração principal, o enredo da economia é ruim. Sua grande arte é nunca entrar em cena.
No Brasil, ela está em cartaz há muito tempo, significando que o desempenho dos outros astros do espetáculo da economia, a política fiscal em especial, é ruim, e precisa de quem lhe assopre o texto para não errar. Uma supre a gague da outra. Mas ambas são ruins.
Em linguagem técnica, foi isso o que disse o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ao depor no Senado. “Muitas vezes, é importante que se suba a taxa de juro para manter a inflação na meta e, em consequência, garantir a trajetória de longo prazo de queda dos juros” disse ele, praticamente antecipando a decisão do próximo Comitê de Política Monetária (Copom): o aumento da Selic.
Os críticos da ortodoxia apuparam a mensagem. No Brasil, juro em progressão rima com recessão. Ou rimava. A economia mudou. Já não se fala em fuga de capitais, decorrente de colapsos cambiais, que forçavam o Banco Central a induzir uma recessão, estrangulando o consumo para gerar dólares, e pagar juros de agiota para atrair o dinheiro mercenário internacional para fechar as contas do país.
Hoje, a calibragem dos juros pelo BC não tem mais o propósito de cavar uma recessão antes que a insolvência externa a precipite na marra. Mas muita gente ainda reage por reflexo imaginando tal cenário, frequente até o governo FHC, ao ouvir falar em arrocho.
A dependência externa foi superada, e menos pelo volume recorde de divisas acumuladas pelo BC. No melhor cenário, elas servem para dar conforto ao investidor externo. Se precisar sair de um momento para outro, como ocorreu depois da quebra do Lehman Brothers, o BC terá caixa para recambiar reais pelos dólares trazidos de fora.
Outra dependência, no entanto, permanece intacta: a capacidade de produção nacional insuficiente para atender o consumo tendendo a um cenário de pleno emprego e ainda deixar um excedente exportável em volume equivalente a um deficit modesto nas contas externas, da ordem de 1% a 1,5% do PIB. Ou, idealmente, superavit.
Ainda não se chegou a tal resultado, mas os principais índices da economia, como sismógrafos avançados, sinalizam que está a caminho um quadro de demanda febril. Tal certeza só existe, por ora, nas projeções dos bancos e consultorias pesquisadas pelo BC.
O mercado pede o protagonismo da Selic, e isso já no Copom do dia 28. Com base na inflação corrente, medida pelo IPCA e os IGP, o BC poderia esperar, repetindo o último Copom. Ficou improvável.
O risco da inação
Entre pagar para ver ou agir, Meirelles sugere que o risco do BC é o da inação. E isso pelo motivo que os críticos do ativismo da política monetária consideram ameaçado, dependendo da intensidade e duração do choque da Selic: o atual ciclo de investimentos, que vem forte, mas está no nascedouro. Para ele, a inflação é que põe em risco o crescimento tocado por investimentos, não os juros.
“Não é verdade que o aumento da Selic reduz o investimento”, ele argumentou em sua exposição no Senado. A estabilidade econômica e o controle da inflação, segundo ele, é que expandem o investimento.
Efeito apaziguador
Meirelles cita duas relações de longo prazo para corroborar a sua percepção sobre o efeito apaziguador da Selic para os ciclos. Uma é a relação entre o investimento direto estrangeiro — capital que as multinacionais trazem para suas filiais — e o passivo externo do país. Passou de 33%, em 2001, para 38%. O capital externo aplicado em ações cresceu muito mais, indo de 9,9% para 32,6%.
Ele atribui esses resultados ao aumento da confiança externa nos fundamentos da economia. Por analogia, também seria o que motiva o empresário nacional a correr risco e investir em mais capacidade.
Jogo de adivinhação
Apesar do efeito deletério dos juros altos, é fato que a falta de parâmetros confiáveis dificulta projetar a demanda futura e a taxa interna de retorno dos projetos de expansão. Fazer orçamentos vira jogo de adivinhação, e, na dúvida, ninguém investe. Os industriais que praguejam contra os juros altos são os primeiros a suspender o investimento se pressentirem incertezas, e o fazem não pelos juros — mas pelo medo maior da perda do capital corroído pela inflação.
Ainda que a argumentação do BC seja pertinente, no entanto, juros nominais de política monetária acima de 8% ao ano indicam males da economia gritando por tratamento. Mas aí não cabe ao BC resolver.
Trindade impossível
Frente a dois dos maiores problemas da economia brasileira, o BC é só caixa de repercussão. O mais persistente é a linguagem de surdo entre as políticas monetária e fiscal. O diálogo é tenso, em geral de afronta entre elas. O governo, do qual o BC é parte, gasta sem sintonia com o gasto privado (famílias e investimentos) e depois clama ao BC que ponha ordem. Como a despesa pública é irredutível na prática, só resta “punir” o gasto que o governo alega reverenciar.
Em regime de economia aberta, enfim, é difícil manter a autonomia monetária, a liberdade de movimento dos capitais e a taxa cambial sem volatilidade — uma “trindade impossível”, segundo os economistas. E com o lado fiscal desalinhado aí é que se torna inexequível.