José Claudio Pereira
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Eonara do Carmo Cesa Paim
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Varejo usa ferramenta que torna cliente ‘anônimo’, mas pode esbarrar na LGPD
Se um dado é anonimizado, ele não poderia ser revertido para se chegar à pessoa. Mas nem sempre essa privacidade é preservada
É possível enviar uma publicidade de lasanha congelada para a rede social de um cliente que compra mensalmente presunto, queijo e massa, mesmo que esse cliente não tenha fornecido seu nome de usuário para a varejista que detém seus dados de compras. Além disso, para saber se a estratégia deu certo, dá para mapear se aquele cliente que viu a publicidade na rede social foi até a loja e comprou o produto.
A chave para isso são os termos de uso dos programas de fidelidade. Especialistas avaliam, porém, que esse novo mercado de compartilhamento de dados para publicidade direcionada tem pontos sensíveis à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
No Brasil desde 2021, a empresa Live Ramp, listada nos Estados Unidos, trabalha com 'anonimização' de dados, mas faz isso de uma forma que permite encontrar a mesma audiência em bases de dados diferentes. Entre seus parceiros mais conhecidos está o Carrefour, que por meio da plataforma, já conduziu campanhas de publicidade com marcas como a Heineken, Coca-Cola e Qualy.
A LGPD exige que as empresas responsáveis pelos dados dos clientes não compartilhem informações sensíveis de suas bases como nome, CPF ou quaisquer outras que possam vir a identificar as pessoas. Assim, o negócio da Live Ramp envolve tornar os dados das varejistas em linhas anônimas, que preservem hábitos de consumo importantes para os varejistas e seus fornecedores em ações publicitárias.
A tecnologia da empresa transforma os dados sensíveis em um código identificador e, assim, é possível separar uma determinada audiência por hábitos de compra: clientes potenciais compradores da marca de cerveja Heineken no Carrefour, por exemplo. A varejista é capaz de selecionar a audiência compradora de um item específico, determinando até mesmo a preferência por recipientes maiores ou menores.
Uma vez que esse grupo de identificadores é selecionado, a LiveRamp consegue buscar esse conjunto de consumidores nas redes sociais. O segredo é que a base de dados dessa segunda plataforma pode ser anonimizada com a mesma tecnologia, ou identificadores que usem o mesmo princípio. Assim, há grandes chances de que os IDs selecionados na varejista sejam encontrados na rede social. Dessa maneira, as ações de publicidade encontram os clientes selecionados do Carrefour fora do ambiente online da marca.
Esse encontro de dados nem sempre é perfeito, já que as pessoas podem dar dados diferentes em diferentes plataformas. No entanto, se o cliente usa informações em comum como e-mail, por exemplo, a tecnologia da empresa de dados vai nomeá-lo com o mesmo padrão de ID nas duas bases de dados.
No Brasil, o CPF acaba sendo muito usado como um 'matching' (ponto de encontro), porque normalmente você dá CPF para tudo no Brasil. O que fazemos é que anonimizamos as bases onde elas estão. Criamos ali o 'Ramp ID' (código identificador da empresa). Pegamos vários pontos de contatos e transformamos no 'Ramp ID', explica a responsável pelas operações da companhia junto ao setor de varejo no Brasil, Thaissa Gentil. Ela diz que esse ID é capaz de encontrar o mesmo usuário por meio de chaves diferentes, seja o e-mail, o CPF ou o nome. A diferença é que, quando os dados são compartilhados entre as empresas, essas informações ficam ocultas sob o código do ID.
Advogados especialistas em segurança de dados, porém, alertam para uma linha tênue entre o que diz a LGPD e o trabalho de empresas nesse nicho. “Se um dado é anonimizado, ele não pode ser revertido, ou seja, não é mais possível chegar à pessoa. Se de alguma forma a empresa consegue chegar à página do cliente na rede social, pode haver um problema”, afirma Klaus Kiessling, sócio da Risk Consulting.
A partir do momento que você anonimiza um dado, mas, em um cruzamento de outras informações, você consegue identificar uma pessoa, isso não é anonimização, argumenta ainda Tertullyano M. Sousa, advogado responsável pela área de privacidade e proteção de dados do MTA Advogados. Para ele, é importante que esse uso esteja claro, por exemplo, nos termos de uso dos programas de fidelidade das varejistas.
Esse é um dos argumentos legais da Live Ramp. Thaissa diz que, ao concordar com os termos de uso de programas de pontos e dar seu CPF na hora das compras, por exemplo, os clientes concordam com o uso de seus dados para direcionamento de publicidade nesses termos. Além disso, ela defende que as informações que permitem identificação, protegidas pela LGPD, não são compartilhadas entre as empresas. Já que, o encontro de dados é feito a partir de identificadores anônimos em comum. Além disso, ela diz que a companhia trabalha com audiências grandes, justamente para diminuir as chances de que haja identificação.
“Uma determinada marca quer acessar (com publicidade) clientes de fraldas. Conseguimos encontrar 1 milhão de pessoas (com essa característica de compras), mas não uma pessoa específica. Aí jogamos esse 1 milhão de pessoas (na base de dados do) Instagram e vamos dizer que temos um 'match rate' (taxa de correspondência) de 50%. Então achamos 500 mil pessoas lá dentro”, diz Thaissa.
Ela conta ainda que, depois, a varejista consegue saber quantos desses clientes que receberam a publicidade voltaram a uma loja de sua rede e compraram o produto em questão em até 15 dias, já que esses consumidores são identificados na hora da compra ao dar o CPF ou usar os programas de fidelidade de alguma outra maneira.
De todo modo, em sua última divulgação de resultados nos Estados Unidos, a Live Ramp elencou entre os riscos de sua operação internacional a possibilidade de violação de confidencialidade. "O risco de uma violação significativa da confidencialidade das informações ou a segurança dos dados nossos ou de nossos clientes, fornecedores ou outros parceiros e/ou sistemas informáticos pode ser prejudicial ao nosso negócio, reputação e resultados das operações", afirma a companhia.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, essa capacidade de entregar ofertas de maneira personalizada de uma forma que os clientes realmente recebam a comunicação da empresa é muito importante para o varejo. Ele lembra que, antes disso, é preciso que as empresas tenham uma base de dados organizada. Por meio disso, é possível identificar possíveis compradores de determinados produtos, a partir do hábito de consumo desses clientes.
A partir daí, a pergunta era: como engajar esse cliente? "Dar descontos pode ser uma estratégia", diz Terra. No entanto, ele explica que o varejo vinha encontrando muita dificuldade no passo seguinte. "Os e-mails marketings vão para as caixas de spam. Disparos em aplicativos de mensagens costumam ser caros. Logo, a solução de acessar esse cliente nas redes sociais, que é onde as pessoas estão, torna essa publicidade mais eficiente", explica. No fim, Terra diz que, esse processo, que é oferecido hoje por poucas empresas, diminui o custo de aquisição de clientes, já que as campanhas são mais efetivas.