José Claudio Pereira
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Empresas devedoras poderão ter fiscal na boca do caixa
Na mais dura ação de combate à sonegação dos últimos anos, a Receita Federal resolveu adotar uma medida de exceção para fiscalizar as empresas devedoras de tributos
A partir deste mês, as empresas apontadas pela área de fiscalização como devedoras sistemáticas poderão ter de conviver diariamente com um fiscal dentro do estabelecimento controlando o caixa e toda a movimentação financeira. A Instrução Normativa Receita Federal do Brasil - RFB 979/09, publicada em 17 de dezembro no Diário Oficial da União, regulamenta artigo da Lei 9.430, de 1996, que permite a criação do Regime Especial de Fiscalização (REF). Além de sofrerem fiscalização ininterrupta, as empresas sujeitas ao regime terão reduzidos à metade os períodos de apuração e os prazos de recolhimento dos tributos. Um imposto pago mensalmente, por exemplo, terá de ser recolhido a cada 15 dias.
O anúncio da medida foi feito um dia após a Receita ter lançado um pacote de combate ao “planejamento tributário”, com aperto tanto para as empresas como para as pessoas físicas. Segundo o subsecretário de Fiscalização da Receita, Marcos Neder, o objetivo da medida é dar mais pressão à percepção de risco dos contribuintes. “É uma medida de exceção pela qual a Receita vai controlar a boca de caixa da empresa”, afirmou. “A medida é dura, mas será usada com parcimônia.”
As primeiras empresas colocadas em regime de exceção serão escolhidas este mês. De acordo com Neder, as empresas sujeitas ao REF são grandes devedores contumazes, e frequentemente autuadas pela Receita, mas continuam no mercado, prejudicando a concorrência. O perfil, no entanto, não é necessariamente o de grandes empresas. Ele destacou, porém, setores em que é mais comum a sonegação, como combustíveis, bebidas, cigarros e a área de importação. Neder disse que havia uma grande pressão dos contribuintes que pagam tributos em dia e também dos fiscais da Receita para que o REF fosse regulamentado.
O dirigente da Receita comparou o sistema de arrecadação a uma caixa d’água de um prédio, que precisa de pressão para encher mais depressa. A caixa d’água é a arrecadação do governo, e, a pressão, a fiscalização da Receita. “O que garante a arrecadação é a certeza de punição do infrator. É a sensação de risco”, defendeu Neder. Conforme o subsecretário, o fato de as empresas devedoras contumazes continuarem operando, apesar de várias autuações da Receita, enfraquece o poder de fiscalização. Mas destacou que, pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), a Receita não tem poder de fechar uma empresa por ser devedora recorrente do Fisco.
As empresas que forem incluídas no REF passarão ainda por um controle eletrônico diário. As emissões de documentos comerciais e fiscais da movimentação financeira também ficarão sob controle dos auditores. A multa para as incluídas no REF é maior: 150% do valor sonegado.
Para o consultor tributário Amarildo Almeida Barboza, sócio da empresa Capital Tributário, a adoção da medida por parte da RFB não causa surpresa, visto que nos últimos 11 meses a arrecadação apresentou quedas consecutivas motivadas pela crise financeira mundial, o que obrigou o governo a promover a desoneração do IPI para alguns setores da economia, dentre eles o automotivo, eletrodomésticos da chamada linha branca e móveis. O objetivo foi o de fomentar a economia durante a crise e, agora, faz com que o governo decida combater a sonegação de forma mais dura e, assim, tentar recuperar débitos tributários e compensar a queda da arrecadação.
“A medida pode ser interpretada de forma positiva se resultar no combate eficaz à sonegação, ao contrabando, à eliminação das empresas de fachada e, assim, permitir que os contribuintes que agem de forma lícita possam ser mais competitivos em seus mercados de atuação”, opinou Barboza. “Por outro lado, se a medida tiver apenas cunho arrecadatório, para compensar as perdas de 2009, fazendo com que a Receita passe a autuar empresas deliberadamente, aplicando multas estratosféricas, muitas vezes de forma arbitrária, não resta dúvida de que isso não terá o efeito esperado pelo governo.”
O subsecretário Neder negou que a medida tenha alguma relação com os impactos da crise financeira internacional na arrecadação. “A Receita está tentando recuperar crédito tributário de empresas que estão sempre infringindo a lei e continuam operando. Vamos dificultar a vida dessas empresas.” Do ponto de vista do contador Rafael Viegas, sócio da Reviza Assessoria Tributária e Contábil, o que mais causa estranheza é o fato de a RFB alegar falta de recursos humanos para proceder as fiscalizações e analisar pedidos de ressarcimentos de contribuintes, mas instituir regime especial que prevê a possibilidade da manutenção ininterrupta de agentes fiscais nos estabelecimentos eleitos para a aplicação de tal regime. “A atribuição de poder demasiado ao agente fiscal pode acarretar abusos, perseguição e represália a contribuintes”, alertou.
Maiores companhias estão na mira da Receita
As grandes empresas contribuintes estão no alvo da Receita Federal. E novas medidas serão adotadas em breve para apertar o combate ao planejamento tributário que é feito pelas companhias que tentam pagar menos imposto. “Estão vindo algumas ‘maldades’ por aí. Aos poucos, vocês vão ver”, antecipou o subsecretário de Fiscalização da Receita, Marcos Neder. Conforme a Receita, é o planejamento tributário que tem feito com que cerca de 50% das empresas que declaram o IR pela sistemática de lucro real - justamente as de maior faturamento - registrem prejuízo na sua contabilidade fiscal. O problema é que as declarantes pelo lucro real são responsáveis por 70% da arrecadação tributária.
A Receita vai combater o planejamento tributário por meio de dois caminhos: fechando as brechas na legislação e questionado a legalidade das operações de planejamento tributário junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que é o tribunal administrativo ao qual os contribuintes podem recorrer quando são autuados pela fiscalização. A Receita também editou, em 17 de dezembro, portaria com as normas de fiscalização dos grandes contribuintes para 2010, um grupo de 10.568 empresas que são responsáveis por 80% da arrecadação. Essas empresas, que têm receita bruta anual superior a R$ 80 milhões, estão sujeitas a um acompanhamento diferenciado. Nesse grupo de empresas, estão 2.149 empresas que têm faturamento acima de R$ 370 milhões por ano e que estão sujeitas a um acompanhamento especial ainda mais rigoroso. “A fiscalização está se estruturando para vigiar especificamente os grandes”, disse.
De acordo com o contador Rafael Viegas, a discussão da legalidade das operações de planejamento tributário é antiga e sempre esteve pautada em avaliar se os negócios jurídicos declarados são os efetivamente realizados, ou seja, a comparação entre a forma e a essência. “O planejamento tributário não pode ser pautado em simulação, abuso de forma, fraude a lei, dentre outras formas ilícitas”, defendeu. Para ele, todas as empresas devem planejar suas atividades no intuito de reduzir a tributação de suas atividades ao menor nível permitido pela legislação. “Atualmente, essa é uma medida gerencial para que a empresa mantenha-se competitiva; eu diria quase uma questão de sobrevivência.”
O consultor tributário Amarildo Almeida Barboza destaca ainda que o planejamento tributário não pode ser confundido com uma receita de bolo. “A estratégia adotada por uma empresa nem sempre funciona para outra, ainda que sejam do mesmo segmento”, enfatizou. “Deve ser desenvolvido de forma personalizada, levando-se em consideração as situações específicas de cada organização.”
Créditos do PIS e Cofins ganham novas regras
A partir de 1 de fevereiro de 2010, empresas interessadas em solicitar crédito tributário relativo ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) terão de fazer a declaração prévia das notas fiscais relativas ao pagamento do imposto. Sem informar essas notas, as empresas não poderão solicitar ressarcimento relativo a esse tributo ao Fisco. Instrução Normativa da Receita Federal, publicada em 21 de dezembro no Diário Oficial, tem o objetivo de impedir fraudes nesse tipo de operação.
Segundo o assessor do gabinete da Receita, Carlos Roberto Occaso, os novos procedimentos reforçam os sistemas de controle e passarão a dar mais segurança ao Fisco. O novo procedimento já é adotado para a maioria dos créditos tributários, como o IR, CSLL e IPI, entre outros.
Com a mudança, uma empresa que quiser solicitar créditos relativos ao PIS e Cofins deve, antes, informar em uma declaração eletrônica específica todas as operações que criaram tais créditos. A entrega desse documento vai gerar um código que deverá ser informado no pedido de ressarcimento de PIS e Cofins. Sem esse número de protocolo, não será possível pedir a devolução do crédito.
Atualmente, empresas solicitam o crédito de PIS e Cofins, mas a apresentação dos documentos acontece apenas caso a Receita intime o contribuinte a entregar os papéis. Dessa forma, nem todos os contribuintes apresentam documentos ao Fisco, o que aumenta a possibilidade de fraudes.
Pelo novo sistema, caso haja irregularidade nas declarações, a Receita pode negar a homologação desse crédito tributário e a empresa estará sujeita a uma multa de 75% sobre o tributo declarado indevidamente. Caso o contribuinte seja contatado pela Receita, mas não atenda as solicitações, a multa sobe para 112,5% do valor relativo ao crédito.
A Receita também informou que, a partir de fevereiro de 2010, todos os pedidos de ressarcimento tributário, não apenas do PIS/Cofins, mas também de outros tributos, só poderão ser entregues à Receita com o uso de certificação digital. O procedimento, que já é usado para a entrega da declaração de IR das pessoas jurídicas, também passará a ser exigido para o pedido de devolução de crédito tributário.
“Trata-se esta de uma medida que gera, ao mesmo tempo, ruins e bons efeitos”, opinou o advogado e professor de Direito Tributário Fábio Canazaro. Segundo ele, os efeitos ruins decorrem do fato de o contribuinte, mais uma vez, se deparar com nova obrigação acessória. “Com certeza, no primeiro momento, a burocracia aumenta, dificultando o processamento e o ressarcimento imediato dos créditos”, disse.
Por outro lado, os efeitos bons decorrerão do melhor controle que é exercido pela Receita, o que gerará, em longo prazo, uma rotina mais prática na apreciação desses processos.
Canazaro acredita que também o controle em relação a créditos inexistentes ou em discussão será mais eficaz, possibilitando um menor campo de discussão. “Tudo isso, futuramente, deverá reverter em prol dos contribuintes, com agilidade na conclusão de seus pedidos”, apostou o advogado. “Entretanto, mantenho minha posição de que não é este o melhor procedimento. Nesse sistema, seguem os certos pagando pelos errados.”
“É importante ressaltar que esta medida não atinge as empresas obrigadas à Escrituração Fiscal Digital e também não se aplica nos casos pedidos de restituição ou compensação decorrentes de pagamentos indevidos ou a maior”, considerou o consultor tributário Amarildo Almeida Barboza.