José Claudio Pereira
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Eonara do Carmo Cesa Paim
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Lei de repatriação é oportunidade única, dizem especialistas
O prazo de adesão à chamada lei da repatriação de recursos, que concede anistia a brasileiros com bens e fundos não declarados no exterior, está a apenas um mês e meio do fim, mas ainda pairam muitas dúvidas sobre suas regras.
O prazo de adesão à chamada lei da repatriação de recursos, que concede anistia a brasileiros com bens e fundos não declarados no exterior, está a apenas um mês e meio do fim, mas ainda pairam muitas dúvidas sobre suas regras. São, de fato, detalhes demais a serem observados — somente a seção de perguntas e respostas da Receita Federal tem 50 esclarecimentos sobre o tema, repletos de notas explicativas. Advogados recomendam aos contribuintes nessa situação a busca urgente por consultorias especializadas em tributação internacional, incluindo a opinião de um criminalista durante o processo, além de disciplina na coleta da montanha de documentos necessários à regularização. Só não se pode, ressaltam, é “pagar para ver”: o cerco global a sonegadores se aperta a cada dia, tornando improvável escapar das autoridades em um futuro próximo. Nesse sentido, todos afirmam que a anistia é uma oportunidade única que precisa ser aproveitada.
Debatido ao longo de vários meses, o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct) foi regulamentado em março para ajudar no esforço do governo de reduzir seu déficit orçamentário. Por meio dele, contribuintes com recursos lá fora podem “confessar” crimes como evasão de divisas e sonegação fiscal com a garantia de uma anistia e de alíquotas menores de imposto e multa. Antes da lei, o Imposto de Renda (IR) era de 27,5% do valor regularizado, acompanhado de uma multa que poderia chegar a 225% do valor do IR nos casos mais graves. Com o Rerct, a alíquota de IR cai a 15%, e a multa é tabelada em 100% desse valor. Estão isentos contribuintes que tenham no exterior no máximo R$ 10 mil — cerca de US$ 3,7 mil ao câmbio do fim de 2014, corte usado pela lei.
O prazo para adesão, que começou em 4 de abril e termina em 31 de outubro, é considerado curto e exige agilidade dos potenciais aderentes.
— Esse prazo é uma barbaridade! É muito pouco tempo para muita coisa a ser feita. Quando a pessoa tem apenas dinheiro, a obtenção de documentos é mais fácil. Mas quando existem imóveis, a dificuldade é outra e depende muito do país onde o imóvel está localizado — critica Raquel Preto, doutora em Direito Tributário pela USP e presidente da Comissão de Estudos e Finanças Públicas do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). — Não tenho dúvida de que muita gente vai ficar de fora por causa do prazo curto.
Isso explicaria, segundo Raquel, a baixa adesão até agora. O Rerct não foi mencionado pelo Fisco em nenhum relatório de arrecadação até agora, a despeito de expectativas bilionárias — embora elas sejam bastante elásticas. Em julho de 2015, a Fazenda dizia esperar levantar R$ 11,5 bilhões com a repatriação. Já o relatório de avaliação de receitas e despesas primárias do primeiro bimestre de 2016 falava em R$ 35 bilhões. Em entrevistas recentes, integrantes do governo têm evitado mencionar previsões. O Santander, por sua vez, estima que a arrecadação total, com IR e multa, atinja US$ 39 bilhões (ou R$ 103,3 bilhões). Procurada, a Receita não informou quanto já foi arrecadado até agora, nem qual a meta de arrecadação.
Mas a maioria dos contribuintes está deixando para submeter a declaração perto do fim do prazo, seguindo recomendação de advogados. De acordo com Eduardo Perez Salusse, sócio do escritório Salusse Marangoni, a estratégia tem sido adotada por causa de divergências na interpretação da lei.
— Há muita insegurança jurídica, porque a Receita vem mudando as interpretações da lei. Isso tem levado os clientes a protelarem a decisão — conta Natália Zimmermann, superintendente do Private do Santander.
‘É PRUDENTE CONSIDERAR MÍNIMO DE 6 ANOS’
Segundo Salusse, porém, as posições da Receita — disponíveis no site do órgão em formato de perguntas e respostas — têm reduzido as dúvidas. Uma das questões já consolidadas refere-se ao escopo dos bens que devem ser declarados, ponto crucial da legislação. A lei diz que a anistia vale para residentes ou domiciliados no Brasil em 31 de dezembro de 2014. Mas o contribuinte não deve declarar apenas o que tinha lá fora naquela data, como alguns interpretavam.
— Deve-se considerar os ativos mantidos no fim de 2014 e também os valores que foram gastos e, portanto, não existem mais no chamado período de decadência tributária, que é de cinco anos — explica Salusse.
Portanto, os contribuintes devem resgatar extratos bancários e de investimento, por exemplo, desde o início de 2010. Mas o advogado esclarece que isso diz respeito apenas ao crime de sonegação, e não ao de evasão fiscal. Neste caso, a prescrição varia de seis a 12 anos, dependendo da gravidade (pode chegar a 16 anos, caso haja relação com lavagem de dinheiro).
— Mas a recomendação é que se adote um período mais prático. Se se tratar de um réu primário, se o valor for pequeno e caso não tenha sido usada uma estrutura complexa, é prudente considerar um tempo mínimo de seis anos — ressalta Salusse.
A obtenção de algumas informações demora mais do que outras. Se organizar toda a papelada referente a contas no exterior pode levar poucos dias, Raquel Preto lembrou que conseguir dados imobiliários pode exigir uma viagem, dependendo de onde está o imóvel. Quem tem mais de US$ 100 mil em contas no exterior também precisa indicar um banco brasileiro para que ele confirme a existência do valor lá fora, por meio do sistema global Swift.
— Na semana passada, alguns bancos locais avisaram a clientes que essa operação demora 15 dias — diz Raquel.
Salusse lembra de outros detalhes que precisam ser observados. Um deles é o fato de não serem cobertos pela anistia crimes como apropriação indébita, descaminho (importação por meio de declaração falsa) e caixa dois de instituição financeira (crime do colarinho branco).
Também é preciso tomar cuidado com o histórico do dinheiro. Não basta apenas dizer que o valor estava depositado em um determinado banco na data-limite. É preciso informar também por quais outros bancos o recurso passou anteriormente, para que não haja incongruência nos dados.
O contribuinte também deve saber que, embora o programa seja conhecido como lei da repatriação, não é obrigatório trazer o dinheiro para o Brasil. Na verdade, a expectativa do setor bancário é que a maioria dos contribuintes irá repatriar apenas o valor necessário para quitar o imposto e a multa, o que foi permitido por circular do Banco Central no fim de julho.
— A maior parte dos nossos clientes não pretende repatriar os recursos, com exceção daqueles que estão sem liquidez no Brasil — explica Natália, do Santander.
RISCO NÃO VALE A PENA
Há ainda divergências importantes que devem ser discutidas com os advogados, como o caso dos trusts, tipo de sociedade de administração fiduciária muito usada para sucessão de recursos no exterior. De acordo com os advogados, o consenso é que o beneficiário deve ser o declarante, mas, muitas vezes, ele não sabe sequer que o trust existe.
De acordo com os especialistas, o fim dos paraísos fiscais é certo, e o cerco aos sonegadores está prestes a se fechar. O Brasil, por exemplo, promulgou no último dia 30 a Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária, que tem 102 países membros e permitirá o intercâmbio automático de informações bancárias. Por isso, a adesão à anistia seria uma oportunidade caída do céu. Salusse afirma que não funcionam as soluções que costumam ser aventadas por alguns clientes para se livrar da punição, como mudar de país ou simplesmente retificar declarações de IR de anos passados.
— Essa é a grande e única chance de regularizar quatro ilícitos de uma só vez. Muita gente acha que vale o risco, mas não vale. Vão ser pegos e pagar alíquota máxima de imposto, multa de 100% ou 150%, e ainda ser indiciados por crime tributário e cambial — alerta Raquel.