José Claudio Pereira
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Desoneração da folha indica que governo terá mais trabalho na reforma do IR que na tributação de consumo
Haddad questionou constitucionalidade da desoneração da folha após sua aprovação e defendeu que medida seja debatida no âmbito da reforma do IR
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou nessa semana a prorrogação da desoneração da folha até 2027. Para especialistas consultados pela CNN, o movimento sinaliza que o governo terá mais trabalho para reformar o imposto de renda (IR) do que enfrenta no debate sobre os tributos de consumo.
Sócio-coordenador da área tributária do SGMP Advogados, João Cláudio Leal indica que o governo optou por avançar com a reforma do consumo no primeiro semestre — antes de debater o IR — também pelo fato de as discussões sobre esse tema estarem “mais maduras”.
“As propostas de reforma dos tributos que oneram o consumo, sem dúvida, estão mais avançadas que as propostas de reforma da legislação do IR. As mudanças na tributação sobre o consumo, na verdade, estão sendo discutidas há mais de duas décadas”, aponta o especialista.
Para a votação na Câmara da reforma tributária que cria o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que coordenou grupo de trabalho sobre o tema, projeta amplo apoio, com 400 votos favoráveis.
Maria Andreia dos Santos, sócia da área de contencioso tributário do Machado Associados, diz que a reforma do IR deve ser “muito polêmica”, já que possivelmente vai abarcar tributação de dividendos, mudanças nos juros sobre capital próprio, revisão de deduções, entre outros tópicos.
“Determinadas partes dessas medidas poderão ter efeito perverso em termos de desestímulo ao investimento no país. Por todas essas variáveis, não deverá ser uma reforma consensual. Serão necessários estudos e debates para que haja pontos de consenso”, afirma.
Senado prorroga e Haddad critica desoneração
A desoneração afeta 17 setores da economia, incluindo vestuário, construção civil, automotivo e de tecnologia da informação. O texto permite que as empresas paguem alíquota de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários.
Foi também incluída no texto uma “emenda municipalista”, que diminui para 8% a alíquota paga pelas prefeituras de municípios de pequeno porte sobre as folhas de pagamentos.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, questionou a constitucionalidade da medida após sua aprovação na CAE. Ele ainda defendeu que a desoneração seja debatida no âmbito da reforma do IR, no segundo semestre. O gasto tributário acarretado pela prorrogação é estimado em R$ 9,4 bilhões.
Haddad destacou também que a medida não completou rito legislativo. Caso o petista recolha as assinaturas de nove senadores, o projeto de lei deverá ir ao plenário da Casa Alta. Mesmo se aprovado, o texto ainda passa pela Câmara. O presidente Lula ainda poderia vetar o tema (o que devolveria a discussão ao Congresso).
A complexidade do tema também aparece no fato de dois senadores de partidos que compõem a base do governo, Efraim Filho (União-PB) e Angelo Coronel (PSD-BA), estarem entre os principais articuladores da medida.
Além disso, a desoneração prorrogada (assim como outros referentes ao IR) interessa diretamente ao setor de serviços e às pequenas cidades. Ambos os grupos são agentes ativos nas discussões sobre a reforma tributária.
Reforma do IR e desoneração
Para Maria Carolina Sampaio, head da área tributária e sócia do GVM Advogados, não há necessidade de a desoneração ser debatida junto à reforma sobre a renda. Ela indica que a prorrogação é “urgente”, enquanto o redesenho do IR deve ficar para a sequência do mandato do governo.
“A desoneração se encerra neste ano, sendo urgente que o assunto seja tratado. Os setores abrangidos serão muito impactados caso voltem a pagar, depois de mais de uma década, a contribuição sobre a folha. São empresas que demandam muita mão de obra e não suportarão a mudança. Serão muitas as demissões”, explica.
Na mesma linha, Maria Andreia dos Santos indica que a prorrogação da desoneração deve ocorrer até o fim deste ano para evitar que a mão de obra volte a ser “fortemente onerada” — o que poderia acarretar perdas à economia.
“No atual cenário, de juros elevados, retração no consumo e incertezas na economia mundial, a não prorrogação poderia conduzir ao aumento do atual nível de desemprego e até mesmo a uma elevação na quantidade de empresas que se veem obrigadas a recorrer à recuperação judicial”, aponta.
O relatório do projeto de lei defende que, apesar do gasto tributário acarretado pela desoneração, o “efeito positivo” da medida à economia podem superar os R$ 10 bilhões em arrecadação. Os especialistas consultados reiteram a tese.
“A desoneração favorece a contratação de mais trabalhadores e pagamento de maiores salários. Ainda que a arrecadação da contribuição sobre a receita bruta seja inferior, tal efeito é compensado porque os benefícios sociais proporcionados pela medida de desoneração são inegáveis”, diz o sócio-coordenador da área tributária do SGMP Advogados.
Fazenda questiona constitucionalidade
Caso a medida vá à frente, supere o plenário das casas legislativas e mesmo o Executivo (que pode vetar a proposta), pode haver ainda uma “última trincheira”, no Judiciário. Haddad mencionou parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) que aponta a prorrogação como inconstitucional.
Maria Carolina Sampaio relembra que a desoneração foi prorrogada anteriormente e diz não enxergar “fundamento” para a tese. “Existem requisitos para a prorrogação, como estimativas de impacto, previsão de medidas de compensação, concessão do benefício em lei específica, entre outros, mas parecem estar todos sob observância do Congresso”, opina.
Já João Cláudio Leal indica que a tese do ministro se refere ao artigo 195 da Constituição e ao artigo 30 da emenda constitucional 103 de 2019 — “dispositivos que impedem a criação de contribuição social que substitua a contribuição sobre a folha de remuneração”.
“A Emenda 103 ressalva que esse impedimento não se aplica a contribuições que substituam a contribuição sobre a folha criadas anteriormente. A contribuição que se pretende prorrogar foi criada antes da Emenda 103, portanto, não é alcançada pela proibição que por ela foi criada”, explica.
“O Ministro, ao que parece, defende que a ‘prorrogação’ se equivale a ‘criação’. Mas o Judiciário, ao julgar outras situações envolvendo regras tributárias de vigência temporária (como foi o caso da CPMF), já decidiu que prorrogação não se equivale a criação. Seria uma surpresa se a tese apresentada do Ministro fosse aceita”, completa.