José Claudio Pereira
CRC/RS 46.949
joseclaudio@dataconcontabilidade.cnt.br
Eonara do Carmo Cesa Paim
CRC/RS 56.102
narapaim@dataconcontabilidade.cnt.br
Brasil precisa de uma nova abordagem para financiamento da infraestrutura de cuidado, diz Débora Freire
Subsecretária de Política Fiscal chamou a atenção para a necessidade de uma nova geração de políticas públicas adaptadas aos desafios sociais contemporâneos
A subsecretária de Política Fiscal da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Débora Freire, defende a urgência de uma nova abordagem para o financiamento da infraestrutura social de cuidado. Ao participar, na última sexta-feira (14/6), de um debate promovido pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), em Brasília, ela chamou a atenção para a necessidade de integrar o cuidado às estratégias econômicas, para garantir uma distribuição mais equitativa dos recursos e combater as desigualdades, melhorar a qualidade de vida dos grupos sociais mais vulneráveis, além de obter melhores resultados econômicos, inclusive relacionados à produtividade.
A discussão, centrada na “Política Nacional de Cuidados: Infraestrutura Necessária”, reuniu especialistas para debater soluções integradas e sustentáveis. Débora enfatizou que o cuidado deve ser tratado como um componente essencial tanto na esfera social quanto econômica, defendendo a criação de ações por parte do poder público que integrem o cuidado às estratégias econômicas, mas garantindo sustentabilidade fiscal, progressividade e eficiência no uso dos recursos públicos.
A economia do cuidado abrange tanto o trabalho remunerado quanto o não remunerado, incluindo cuidados diretos com crianças, idosos, enfermos, pessoas com deficiência e portadoras de necessidades especiais, bem como tarefas domésticas e de manutenção do lar. Essas atividades, muitas vezes invisíveis e subvalorizadas, são fundamentais para o funcionamento da economia na totalidade. A falta de serviços públicos de cuidado suficientes, a precarização do trabalho de cuidado e a invisibilidade dessas tarefas no planejamento econômico perpetuam, segundo especialistas, ciclos de pobreza e limitam as oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional, sobretudo das mulheres negras.
Investimento
Luiza Nassif, professora da Universidade de Campinas (Unicamp) e diretora do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Universidade de São Paulo (USP), participou ao lado de Débora da mesa principal do evento e compartilhou dados das pesquisas mais recentes do grupo. Ela enfatizou a necessidade de investimento em infraestrutura de cuidado para reduzir desigualdades laborais e melhorar a distribuição de recursos, além de apresentar números que mostram o impacto econômico positivo que tais investimentos poderiam gerar.
A analista de Planejamento e Orçamento do Governo Federal, Clara Marinho, apresentou reflexões sobre a renovação das políticas públicas voltadas para o cuidado. Segundo Clara, existe uma “invisibilização do cuidado” que precisa ser combatida para criar estratégias eficazes quanto ao financiamento dessas políticas. Ela destacou que “é essencial entender a melhor estratégia para criar caminhos que mitiguem as desigualdades existentes, especialmente do ponto de vista do orçamento, defendendo o fortalecimento do SUAS (Sistema Único de Assistência Social) e a recuperação do sentido da seguridade social”.
Débora defendeu a criação de uma “terceira geração de políticas públicas” que abordem o tema. “Precisamos ampliar a articulação entre os governos nas suas diferentes esferas, os ministérios setoriais e da área econômica e a sociedade civil para pensar essas políticas diante da atual e desafiante conjuntura”, disse. “Precisamos ampliar na sociedade o entendimento das estruturas reprodutoras de desigualdades e das políticas públicas que podem ser eficientes em lidar com os desafios do cuidado, sendo essencial tanto recuperar quanto adequar o sentido da seguridade social às novas dinâmicas sociais que se impõem.” De acordo com Débora, este é o grande mérito das ações que têm sido pensadas no processo de gestação do Plano Nacional de Cuidados.
A subsecretária elogiou o trabalho apresentado pela professora da Unicamp e pesquisadora do Made, ao falar sobre a importância de se apresentar um panorama completo sobre o problema. “O trabalho que Luiza [Nassif] apresentou reflete um esforço essencial em apresentar dados quantitativos para discutir políticas públicas. Precisamos de números para entender a importância do tema e para promover políticas eficazes,” disse.
Espaço fiscal
A situação macrofiscal do país, explicou Débora, exige que se busque abertura de espaço fiscal para o fortalecimento das políticas sociais já existentes e para o financiamento sustentável dessas novas e necessárias políticas, sendo fundamental revisar gastos tributários ineficientes e buscar por mais justiça tributária. “A sustentabilidade das políticas sociais depende de um quadro fiscal mais sustentável em médio e longo prazos”, afirmou. “Na primeira crise, políticas financiadas com déficit são interrompidas, o que impede a estabilidade e eficácia dessas políticas. Precisamos de uma revisão de benefícios tributários, creditícios e financeiros que não chegam às populações mais vulneráveis.”
Ela também ressaltou que devem ser preocupações importantes a definição, a princípio, de público alvo, de forma a conseguir atender de forma robusta a população que mais precisa e não tem acesso a serviços de cuidado no mercado privado, e a busca por instrumentos de financiamento que sejam progressivos, evitando medidas que podem ser regressivas, como por exemplo desonerações de impostos.
A subsecretária também abordou a necessidade de um pacto federativo que considere a política de cuidados como um elemento local, envolvendo estados e municípios no financiamento e implementação dessas políticas. “A política de cuidados é local. Não adianta achar que só a União vai resolver todo o processo. Precisamos de um pacto que envolva União, estados e municípios de forma integrada”, afirmou. De acordo com Débora, a política de cuidados deve também ser estratégia de desenvolvimento regional dos Estados em seus territórios, por exemplo.
A identificação e priorização de recursos orçamentários para políticas de cuidado, defende Débora, são essenciais para enfrentar os desafios atuais. “Precisamos entender o que já temos, o que falta e o que precisa ser ampliado para promover políticas de cuidado eficazes. Este é um desafio tanto econômico quanto social,” disse ela, que ainda destacou a importância de considerar a oferta e a demanda de trabalho de cuidado, sugerindo que projeções de demanda crescente devem incluir a estimativa da oferta e o impacto econômico associado.
O evento, chamado “Sexta em Debate”, reforça a relevância do tema da infraestrutura de cuidado no contexto das discussões sociais, econômicas e fiscais. O Plano Nacional de Cuidados, previsto para ser lançado no segundo semestre de 2024, representa um passo importante para enfrentar os desafios relacionados ao financiamento e à implementação de políticas públicas de cuidado no Brasil.